Presidência Famesp

Antonio Rugolo Jr. 

Médico pediatra neonatologista, professor da Unesp, atua em Administração e Gestão Hospitalar desde o início dos anos 90.

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Confira o depoimento

Relato sobre a pandemia: o começo no Brasil e balanço dos dias | gravado em junho de 2021

Imediatamente após o anúncio, nós criamos um Comitê aqui, internamente. Um Comitê de Crise Famesp. Não era só dentro do Hospital Estadual porque ia envolver todas as outras unidades. Para transformar parte desse Hospital em enfermarias e UTI Covid ia ter que transferir algumas atividades deste para outro hospital, como, por exemplo, o Hospital de Base de Bauru. Então, fizemos um grupo que se reunia diariamente. E diariamente a gente revia tudo aquilo que vinha acontecendo e tomava novos rumos, caso fosse necessário. Então, foi um Comitê montado por infectologistas, enfermeiras e dirigentes das unidades (estaduais) de saúde de Bauru. Foi um período de muita apreensão. De mudanças, não só estruturais mas até culturais, e de muita insegurança. Mas, graças a Deus, a gente conseguiu sair desse período de insegurança e, depois de algum tempo, já bastante tempo, quase uns seis meses, passamos a entrar numa rotina já instalada.

A equipe aqui de Bauru sempre foi muito boa. Uma equipe dedicada, que veste a camisa, não só pela instituição mas pelo serviço que faz em prol da saúde da população da região. E isso dá uma segurança pra gente, uma segurança muito grande, porque são pessoas comprometidas, dedicadas e que correm atrás das dificuldades e dos problemas... Eu participava dessas reuniões, mas quem ficava na frente mesmo de batalha, 24 horas, não era eu, era essa equipe que a gente tem aqui em Bauru nas unidades Famesp.

Muitas notas técnicas saiam e no dia seguinte mudavam. Então, a dificuldade não era só nossa. Era em nível estadual, federal e até nível mundial... Saiam notas técnicas e a gente tinha que se adequar a elas, principalmente as da Secretaria de Saúde. No dia seguinte, na semana seguinte, essa nota já era mudada. E a gente tinha que correr atrás, sim. E com a SES nós tivemos que conversar várias vezes porque nós tivemos que mudar o perfil das instituições. Principalmente no Hospital Estadual (de Bauru) mudou-se totalmente o perfil dele. Metade do Hospital, seja leito de UTI ou Enfermaria, passou a ser leitos Covid-19. E a outra metade ficou com as demais patologias. E isso tudo teve de ser conversado e combinado na Secretaria de Saúde (SES-SP). E tem um outro problema não menos importante que é a questão financeira.
Tudo ficou mais caro. Material de consumo em geral ficou mais caro. Os EPIs então subiram mais de 100%. Tem material que subiu 200%, 300% o valor. Tudo ficou mais caro. Então, a gente tá tendo, sim, que renegociar esse orçamento. E num momento também difícil para o Estado porque houve queda na arrecadação. Com o fechamento do comércio, fechamento de indústrias, a arrecadação caiu muito. Então está difícil conseguir conciliar o custo hospitalar com a queda na arrecadação do Estado para fazer frente às despesas reais do Hospital.
Bom, não foi fácil também. Porque a gente sabia que estava no meio da doença, trabalhando diariamente no meio da doença... Eu tenho filho pequeno, agora com seis, tinha cinco anos no ano passado, e a gente ia embora com a maior preocupação... O filho até ajudou um pouco porque a preocupação da gente não saía da cabeça o tempo todo e tomava muito cuidado, como tomo até hoje, pra gente não se contaminar. Graças a Deus eu não peguei a doença, mas vários outros colegas que trabalham junto na área da saúde não tiveram a mesma sorte que eu tive.  E no início era muito preocupante... Você ir embora pra casa e não saber se estava levando o bicho pra dentro de casa ou não – desculpe a palavra bicho, mas é um bicho mesmo, né, o vírus é uma coisa terrível... E chegar em casa e o filho querer chegar perto e você não poder pegar porque não sabia se você estava com a roupa contaminada ou não... Nem sabíamos direito o comportamento do vírus... Então realmente foi extremamente difícil.
Só agora que a gente tem um pouco mais de informações, que pode relaxar um pouquinho com aqueles cuidados excessivos que a gente tinha no início.  Apesar de ser criança, eles entendem. Eu saio com ele, quando preciso, e ele põe a máscara sozinho, ele usa a máscara, ele toma cuidado e não fica pondo a mão nas coisas... Ele entendeu o que é o vírus. Talvez não saiba a gravidade da doença. Mas sabe que a doença existe e ele toma as devidas precauções, sim. É muito interessante isso daí.
É duro ficar em casa o tempo todo. Com criança pequena, já passa a semana toda em casa, não tem mais aula, a aula é online. E no fim de semana a gente curtia mais o filho. Saía de casa. Ia a parques, saía pra rua mesmo. E agora não dá para fazer mais isso. Tem que continuar ficando dentro de casa... E a gente não vê a hora de poder sair com o filho pra fora. Dar uma distração. Coisa que a gente não consegue fazer preso dentro da nossa residência.
Um abraço especial eu não tenho. Mas o abraço faz falta. A gente se sente carente. Quando você vê uma pessoa que você gosta e que normalmente você cumprimentava abraçando, não só estendendo a mão, a gente tem essa vontade, quase chega a fazer, mas não pode fazer. É do dia a dia. Das pessoas com quem a gente convive que eu sinto mais falta, né, desse abraço, desse aconchego, desse carinho.
O que mais me chamou a atenção, com essa patologia, foi a solidariedade. O brasileiro é solidário, mas nem tanto como foi no início da pandemia. Todo mundo se ajudando, um ajudando ao outro, como se fossem da família, fossem irmãos, amigos ... Inclusive instituições, a própria indústria... Nós recebemos nos hospitais frascos e mais frascos de álcool em gel, água, até chocolates... Caminhões, cargas de EPIs, vindos das indústrias, do comércio. Coisa que a gente não vivia antigamente.  
Talvez a doação física, do material físico, deixe de existir depois da pandemia, mas a solidariedade não vai deixar de existir porque isso ficou dentro da gente. E acho que isso vai continuar existindo.
E a mudança que a gente mais está vivendo é, por sorte, que nós temos meios de comunicação agora à distância. Antes era muito mais físico e a gente percebe que não tem tanta necessidade disso. Hoje a gente faz reuniões a qualquer hora, qualquer momento, qualquer dia. E você faz essas reuniões online, muita conversa online, seja por videoconferência, no whatsApp, pelo Meeting, por algum desses meios de comunicação.
E eu acho que isso veio pra ficar também... Como eu falei da solidariedade que veio pra ficar, eu acho que essa forma de comunicação também veio pra ficar.
Tem um lado que eu critico um pouco nesse meio de comunicação... Porque tirou muito a liberdade da gente. Antes era difícil fazer essas reuniões presenciais, tinha que caber na agenda. Como está muito mais fácil, hoje você perde um pouco da privacidade porque fica difícil falar ‘não posso fazer’... Como não pode? Pega o seu celular, pega seu computador e vamos fazer a reunião. Então você deixa de fazer algumas tarefas... Eu, por exemplo, que fico um pouco na área administrativa, tem muita coisa burocrática que eu tenho que fazer. Tenho que assinar processos, ler processos, responder ao Tribunal de Contas, responder à Secretaria de Saúde... E não necessariamente eu estou nesse momento disponível para fazer reunião. Eu preciso ter tempo para fazer isso. Não é coisa pessoal. É da instituição. E a gente acaba atendendo a uma solicitação de reunião (online) e tendo de fazer esses serviços fora do expediente de trabalho... E às vezes até levando esses serviços pra casa. E em casa a gente tem a família... E está sendo muito mais frequente levar o serviço pra casa.

A gente tem, sim, que agradecer muito a todos os profissionais que trabalham dentro do Hospital, seja na linha de frente ou não. Porque, veja, para você atender um paciente você precisa de muitas coisas. Você precisa, por exemplo, do setor de compras, do setor de contratos... que não está trabalhando diretamente com o paciente, mas sem essas pessoas envolvidas, atrás de material - que faltou, e ainda hoje continua faltando -, mas eles estão 24 horas buscando material para suprir as necessidades nos hospitais e até emprestando material que tá faltando no consumo diário. Então, temos de agradecer a todos.   Não só o pessoal de frente, como toda a equipe que trabalha dentro de um hospital.
Eu acho que foi uma união entre todas essas pessoas, seja da área de enfermagem, médicos, da área administrativa, para poder vencer essa dificuldade que a gente vem enfrentando nesse momento. /.../ Foi uma coisa assim extraordinária ver a dedicação das pessoas na hora em que apareceu a doença e tinha de enfrentar essa doença. As pessoas se doaram pra fazer o melhor e poder atender a esses pacientes que adquiriram a doença e estiveram internados conosco.