A vida no front

Apesar da grande ocupação, nas enfermarias o silêncio paira nos corredores quase como um anúncio de que ali os acompanhantes estão proibidos. Árdua e solitária é a luta pela vida de quem está internado numa ala Covid-19. Já nas UTIs, os poucos pacientes com olhos abertos vagam olhares distraídos como se tentassem enxergar algo além da cortina de plástico ao seu redor. Sem grandes distrações, os leitos são tomados pelos bipes dos aparelhos, que também soam como o som da esperança no local.

Vez ou outra no dia, um alento. Considerados 'anjos', assim como as equipes médicas, psicólogos visitam os leitos possibilitando ligações entre os pacientes acordados e seus familiares, humanização descrita, por unanimidade dos médicos, como um dos melhores remédios na internação.

Boletins médicos mais empáticos, visitas virtuais que trazem alento e estabelecem laços entre pacientes e seus familiares, consultas médicas por telefone que surpreendem pacientes não covid impedidos de comparecer às consultas presenciais são mudanças implantadas na rotina do Hospital Estadual que têm transformado as relações humanas por lá. 



Uma das estratégias para conter o avanço da pandemia, o distanciamento social foi amplamente recomendado pelas autoridades e trouxe impactos nas relações. As visitas e acompanhantes para pacientes internados foram proibidos por decretos  publicados pelos governos, especialmente para os que recebiam tratamento da Covid-19. Mas e aquelas pessoas tão queridas que foram contaminadas pelo Coronavírus e precisaram ser internadas no Hospital Estadual de Bauru? No momento em que mais precisavam da presença e do carinho de familiares e amigos, os pacientes precisaram ficar isolados. Mas não ficaram sozinhos. Profissionais da assistência usaram a criatividade para que seus pacientes se sentissem o mais próximo possível de suas casas, humanizaram o cuidado até onde foi possível, com pequenos detalhes que confortam, desfazendo sentimentos de medo e desânimo. E foi aí que a equipe de Psicologia da instituição, utilizando de recursos de tecnologia, assumiu a linha de frente na comunicação entre pacientes e familiares por meio das videochamadas. Com alguns tablets e celulares do hospital, muitos doados por empresas , as familiares puderam acompanhar e até mesmo conversar com os pacientes ao menos uma vez a cada dois dias. Também foi uma forma de celebrar aniversários e ocasiões e, em alguns casos mais difíceis, ao menos puderam se despedir. 



A relação entre médicos e os familiares do paciente, que outrora foi mais técnica e pontual, passou por transformações inusitadas, tornando-se mais empática em muitos casos. Os boletins médicos, além de atualizar as condições de saúde dos pacientes, tornaram-se verdadeiras cartas cheias de carinho. Por meio de palavras caprichadas e frase humanizadas, os médicos perceberam que também poderiam "cuidar" daqueles que tanto sofriam e aguardavam por notícias. Assim, muitos deles incrementaram seus relatos com mensagens de carinho, de esperança e de conforto, mostravam que o paciente estava recebendo toda a assistência necessária e também o apoio das equipes.  


Em março de 2020, diante da necessidade de evitar aglomerações por conta do anúncio da pandemia do novo coronavírus e do medo e insegurança de pacientes, que começaram automaticamente a faltar nas consultas médicas, a direção do Hospital Estadual de Bauru implantou uma rotina de ligações telefônicas dos especialistas para seus pacientes que tinham retorno marcado ou que haviam faltado no ambulatório. Nesse período ainda não havia uma regulamentação do governo estadual a respeito de teleconsultas, mas a partir de maio do mesmo ano os teleatendimentos foram incorporados na rotina do hospital. Até hoje os pacientes recebem a ligação do seu médico com grande surpresa e se sentem acolhidos, resgatando um pouco do papel do médico de família ao restabelecer vínculos de atenção e cuidado. 

Diário do front:

Boletim médico com informação e esperança - JC, 30/08/2020
'Emocionado, um paciente chorou quando pôde voltar a se alimentar'  - JC, 30/08/2020
Videochamadas que aproximam - JC, 30/08/2020
No HEB, teleconsultas reforçaram vínculos entre médicos e pacientes 

Curado da Covid após 36 dias internado, bauruense deixa HE e emociona a família - JC, 17/04/2021