Diretoria Executiva

Deborah Maciel Cavalcanti Rosa

Médica pneumologista, atua no HEB desde 2003 e é diretora executiva desde 2015.
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Confira o depoimento


Relato sobre o começo da pandemia | gravado em julho de 2020
Eu acho que seria melhor contextualizar, desde o começo, quando comecei na gestão, em março de 2015, no auge daquela crise econômica, financeira e política. E a gente lutou muito para conseguir sair dessa crise. Tivemos muitas dificuldades financeiras. E surgiu uma grande oportunidade de aproximação da gestão em si com todos os funcionários e com a união de todo mundo a gente conseguiu vencer essa crise financeira, que a gente já achava que era tão difícil – sendo crise financeira. E depois disso, a partir de 2016, 2017, a gente conseguiu devagarzinho ir construindo algumas coisas, construindo projetos aqui dentro, melhorando a forma de entendimento, a nossa assistência, realmente para tentar atingir um outro patamar de assistência em si à população de forma geral. E, obra do destino ou não, no início desse ano (2020), numa reunião que eu fiz com a equipe gerencial, eu disse que esse ia ser o primeiro ano que a gente ia ter um pouquinho mais de tranquilidade para planejar as coisas. Acho que eu consigo adivinhar o contrário, né, porque realmente... Quando a gente achou que poderia fazer alguns planejamentos, a gente começou a fazer até o comitê de crise (em 2019, o grupo gerencial do HEB criou um Comitê de Resposta à Crise e deu início ao planejamento das etapas do gerenciamento de riscos e da gestão de crise), mas hoje eu entendo que esse planejamento que eu achava que seria importante, ele foi realmente extremamente necessário para a crise que iria vir, agora nessa pandemia, né. Então, a gente conseguiu reunir a equipe gerencial, ter mais coesão na conversa, isso tudo naquele planejamento do comitê de crise sem crise... Para, então, quando chega aí praticamente em março, a gente começar um outro capítulo muito diferente na nossa história aqui no Hospital.

Então, a gente já tinha passado, quando eu ainda era pneumologista do hospital na época em que a gente teve uma crise (nada igual ao que a gente tá passando hoje), mas que foi do H1N1, Influenza, em 2008, 2009, mas muito menor do que a gente tem vivido. Eu acho que realmente aqui no Hospital, nesses anos todos que estou aqui, já são quase 17 anos, acho que é a primeira vez que realmente a gente passa por uma crise tão importante em relação a uma doença, uma pandemia. E a gente teve muito aprendizado. É a palavra que eu mais tenho na minha cabeça: aprendizado. Desde o começo, em que a gente tinha muitas incertezas. Ninguém fazia ideia de como lidar com isso. Não só aqui dentro do Hospital, mas eu penso até em relação a parte de governo mesmo, de quem toma conta da saúde pública. A gente vê até enquanto Ministério, todo mundo sem certezas, com várias tentativas. Lógico que a gente errou muito. Mas acertou muito também. E eu acho que o que a gente cresceu muito e aprendeu muito foi no trabalho em equipe. A gente viu o quanto isso é valioso. A empatia. O entendimento do outro que trabalha com você não só na esfera de trabalho, mas a gente começou a ter mais contato com a equipe da parte também lá dentro: das emoções, da pessoa, de quem realmente ela é. Porque expôs muito, né. Com muita gente com medo, com incertezas, você acaba expondo o seu lado pessoal não apenas o profissional. E foi muito bom isso. Porque a gente teve gratas surpresas em relação a profissionais que a gente achava até que era um bom profissional, mas ele é uma pessoa incrível! Não só um bom profissional. Isso foi muito bom. A gente descobriu outros talentos aqui. E foi crescendo, apesar da insegurança de todo mundo, sempre tentando manter um otimismo. Sabendo assim: é difícil, é. Vai ser mais difícil ainda? Vai! Mas, num momento em que a gente chega, que eu acredito no pico, e, ao que parece, não dá para ter certeza ainda mais é o que parece, no platô, a gente está muito mais tranquilo do que no início da pandemia quando a gente tinha muito menos casos. Porque naquela época o sentimento era diferente. Muita incerteza e até muito medo. Medo mesmo e pânico. Algumas pessoas até tiveram pânico. Hoje a gente amadureceu. Então, apesar de termos muito mais pacientes, da assistência estar muito mais pesada agora, acho que nossa tranquilidade transparece mais. Então, acho que a pandemia mostra várias facetas das dificuldades da vida. Mas também mostra o quanto a gente pode se juntar para fazer coisas extraordiárias que a gente nunca imaginaria. 

Outra coisa da pandemia que é muito marcante pra mim, eu que defendo tanto a participação da sociedade, de não ficar achando que é só papel do poder público, porque eu pago imposto então se vira cuida daí do que é público..., não, eu acho que a participação social é muito importante. Não deixar só na mão de quem tá ali naquele cargo pra fazer. Mas você realmente poder fazer tudo o que você é capaz para ajudar... E agora na pandemia ficou muito nítido, vários empresários, pessoas da sociedade, com um pouquinho que elas acham que podem ajudar, fazem um absurdo de melhorias. Então, a gente vê vários projetos. Eu gosto de citar esse das costureiras porque é e está sendo muito importante para nós o quanto elas ajudaram. "Ah, eu consigo fazer um avental por dia"... tudo bem, mas 300 pessoas fazendo um, são 300 aventais no dia. A importância desse trabalho em conjunto da sociedade. A pessoa está em casa, mas pensando no que pode fazer. Não é só o que vai ganhar com isso, mas o que ela pode fazer para o mundo ser melhor efetivamente, para contribuir. Então essa solidariedade que a gente vê na sociedade aqui, na área da saúde é muito nítido, mas em todas as esferas a gente viu isso acontecendo, foi muito bonito de ver. As vezes a gente desacredita da humanidade, acha que não tem jeito, e muitas vezes acontece essas coisas que acho que nos faz entender um pouquinho porque que Jesus morreu por nós. A gente tem um lado que vale a pena. Isso aqui na pandemia foi muito legal pra gente também ver os pontos fortes do ser humano e não só os pontos fracos.

Eu acho que o mais marcante em todas as mudanças que o hospital sofreu, que foram muitas - é difícil hoje para alguém que nunca conheceu o hospital entender tudo o que foi feito de mudança no Hospital Estadual - são mudanças drásticas, não são mudanças pequenas ou adequações pontuais. Mas pensando na gestão de uma forma geral, por termos uma gestão participativa na instituição, acabamos ouvindo muito o que os funcionários também achavam. E tivemos sugestões maravilhosas, com as pessoas dizendo "não sei se é bom ou se não é, mas e se fizesse dessa forma?". Este "E se?" fez grande diferença. Conseguimos adaptar e conseguimos crescer, pelo menos nesse momento, com 10 leitos de UTI nesse hospital que eu sinceramente não conseguia ver possibilidades de ampliação de leitos. Então é possível! A gente conseguiu ampliar um pouco. Como? Só Deus sabe, mas conseguimos em detrimento de cirurgias ambulatoriais, porque a gente teve que ir trabalhando com as prioridades e transformando. E a equipe respondeu muito bem porque eles entenderam o papel deles. A responsabilidade deles de continuar fazendo a assistência, muito mais difícil de ser feita, muito mais pesada, e eu digo não só em trabalho, mas emocionalmente. Você trabalhar com uma doença que você sabe que pode ser mortal pra você ou pra qualquer um da sua família e que você pode carrear esse vírus pra casa. É muito difícil. Mas também você ter a confiança que os profissionais que estão junto com você, da tua equipe, estão te falando o que é certo. Que você confia naquilo que a CCIH (Comissão de Controle de Infecção Hospitalar) está falando com relação aos protocolos e EPIs. Confiança realmente faz a diferença pra mim. E essa confiança mútua da equipe é o que possibilitou a gente fazer tantas mudanças, tantas adaptações e mantendo a qualidade. É bom chamar a atenção isso porque nós, hoje, no Estado, somos a terceira cidade com a menor letalidade (checar como esteve durante toda a pandemia) e isso se deve a assistência. É a assistência que faz a diferença. Porque quando a gente fala de letalidade, estamos falando o número de mortes em pessoas graves que foram internadas, não estamos falando em relação à população. Lógico que as medidas que temos pra tentar diminuir circulação de vírus são importantes, mas na letalidade o que faz diferença é a assistência prestada. Então os protocolos, a seriedade da equipe, em relação a obedecer esses protocolos, basear nas evidências científicas que também foi uma grande chacoalhada. Todo mundo com medo acaba fazendo bobagem. Então vamos de novo voltar, refletir se aquilo realmente é o melhor caminho a ser tomado. Eu acho que isso foi feito com maestria aqui no hospital realmente pela equipe que teve essa calma. Ao fim de julho, sinto que a equipe está cansada, é verdade, porque são meses nesse ritmo de trabalho, 4 meses. Mas vejo que eles continuam lutando. Apesar disso tudo ninguém abandona o barco. Então acho que essa é uma lição muito bonita do que a gente pode ter, o que a gente já tem desse entendimento dos profissionais da área da saúde e eu acho que é o que a gente consegue vivenciar. É indescritível a emoção que a gente vê da equipe que realmente entende seu papel da área da saúde que é ajudar as pessoas efetivamente, e sem cansar, e sem jogar a toalha. Acho que esse é o nosso papel.

Acho que toda a mudança mexe com você e te altera. A mudança externa você pode internalizar. Tem pessoas que fazem isso ou não. O aprendizado sempre está ali, a pessoa aprende. Como você vai usar esse aprendizado é outra história. Tem várias mudanças que acontecem com a gente que infelizmente elas acabam não perdurando. É fato, não tem como a gente adivinhar isso. Mas ela fica, o aprendizado fica, pode não exteriorizar uma mudança. Mas eu acho que hoje, do que eu vejo da equipe aqui, esse tempo todo que tá passando, mudou sim. A empatia é algo que a gente fala muito na área da saúde. Normalmente os profissionais que procuram essa área pra trabalhar eles já têm esse despertar de empatia, do outro, de cuidar do próximo, de se doer com a dor do outro. Mas eu acho que agora, depois da pandemia, isso ficou mais aflorado ainda. Eu vejo por uma das mudanças que já aconteceu que vale a pena a gente também ilustrar, a gente teve que fazer boletins médicos. E esses boletins médicos você está escrevendo pra alguém que não faz ideia de como ele está, seja um parente, um amigo ou o amor dele que está aqui internado. Você não está do lado pra ver, você não está olhando no olho dele pra saber se aquela notícia que está passando é verdade. E a equipe conseguiu transformar esse boletim médico realmente em cartas. Pra mim não é só um boletim, é uma carta que você está escrevendo com muito carinho, com muito amor para aquela pessoa que está lendo. Então isso pra mim faz diferença. Estamos acostumados a ver  o boletim médico extremamente técnico, olha, está respirando com aparelho, não está, está positivo ou não está o exame, e só. Mas de repente você pega um boletim que fala assim:  "Olha, seu parente está bem, está com saudades de você, está perguntando pelo cachorrinho" ou pelo que for que está perguntando, que no final você com carinho fala "Estamos cuidando com o maior amor dessa pessoa". Você ler isso num boletim médico faz a diferença. Eu aqui como gestora aqui do hospital conseguir ler isso num boletim médico, pra mim traz uma sensação assim de dever cumprido sabe, de as pessoas realmente terem entendi qual é o papel delas aqui. Não é só dar uma informação técnica, é realmente cuidar do outro. Então é muito gratificante e, de verdade, acho que não tem nem como explicar. Mas você ler isso num boletim, pra mim, é ter a certeza. A gente não fica cobrando, não fica fazendo pressão para que os boletins tenham esse papel, isso ficou de cada um escrever. Mas na forma que você vê um, dois, três boletins, e as pessoas felizes com o que estão escrevendo, com segurança, então a sensação de confiança que a gente tem aqui na nossa equipe, ela conseguiu ser passada pra fora, e acho que é o mais importante, não só para o paciente que está sendo cuidado, mas para quem está de fora olhando.

Enquanto Deborah é difícil separar as coisas. Porque aqui no HEB a Deborah é a diretora e tem que ser a pessoa que passa segurança, confiança, otimismo...eu seguro a peteca, eu não posso deixar a equipe desanimar. Mas quem disse que eu não sinto medo? Lógico que sim. Mas a gente tem que vencer isso, a gente tem que batalhar. Até mesmo pra sair aqui do hospital e ir pra casa. A insegurança que a gente tem de estar aqui e de repente passar pra família da gente uma doença. Lá em casa o meu marido e filhos todos eles têm risco porque são asmáticos, meu marido é hipertenso. Então a gente sempre fica pensando... lógico que eu tenho meu papel de médica que é muito importante na minha vida, é o meu propósito de vida esse, ajudar pessoas. Mas até que ponto você se sacrifica, sacrificando os seus? Então são muitas coisas difíceis pra gente assimilar. Mas acho que no começo foi muito mais difícil por tanto medo e insegurança, mas aí chega uma hora que você incorpora. Acho que a gente passa por três estágios: primeiro tememos nossa própria morte, depois você fala "Meu Deus, mas não sou só eu", tem a minha família, até numa hora que você fala assim "Eu preciso lutar por mim e por eles". Eu tenho que vencer esse medo porque é a única forma de dar certo. Não tem pra onde fugir. E o interessante é que eu sempre tento me manter muito otimista, quem me conhece sabe disso... "Tudo vai dar certo, vamos conseguir". Eu sempre falo muito isso e acredito muito nisso. Eu tenho na minha cabeça sempre assim: tem uma praia que eu adoro e todas as vezes que eu estou muito cansada, desanimada, eu sempre lembro que se tudo falhar eu vou lá pra praia. Aí, esse ano, quando eu estava pensando, tinha a Covid-19 lá naquela praia...puxa vida, mas nem no lugar que é o meu refúgio mental eu vou estar fora da Covid. Então é difícil realmente porque a gente fica sem possibilidades. Quando vem o pensamento "vou fugir, vou largar tudo e sumir". Sempre tem um lugar que você pensa pra onde está indo. Então é difícil você ter que lidar com todos esses sentimentos e as mudanças que tem no seu script, porque pra mim tem todas as caixinhas assim... "se isso acontecer eu vou fazer aquilo, ou outra coisa"... eu uso muito esse modelo matemático na cabeça, tentando ter um pouco de controle que a gente na verdade não tem. Então acho que pra mim foi muito aprendizado, e muito mais nessa parte de se entregar realmente pra aquilo que a gente acha certo, apesar do medo. E o mais importante é me sentir muito útil aqui no que eu faço. De eu estar junto com a equipe aqui e sentir que eles confiam em mim, na Deborah, não só na diretora, porque sabem os valores que eu tenho, a missão que eu acredito que tenho, e eles corroboram meu sonho, pra conseguirmos atingi-lo. Isso é muito importante pra mim, entender que meu dever está sendo cumprido. Estou fazendo realmente o que eu acredito. Estou fiel aos meus propósitos e aos meus valores.

É difícil tê-los em casa, com aulas online. Eu tenho três, então, o maior que está com 14 é o Lucas, o Rafa está com 11 e a Giovana que está com 7 agora. A Gi me cobra muito! Porque ela está em casa e fica falando "Você não está vindo? Vem pra casa" . Porque pra ela é como se estivesse de férias e eu não estou lá. O Lucas é mais independente, muito disciplinado, muito responsável, então ele toma conta das coisas dele, das aulas e tudo, tá indo tudo bem, não é muito de falar. Mas eu estava até contando agora uma passagem do Rafa que logo no começo da pandemia eu fiquei gripada e foi um atrás do outro. Ninguém estava falando de circulação de Covid-19 aqui ainda. Só quem vinha do exterior. Então acabava não tendo essa suspeita porque eu não tinha a epidemiologia de alguém que poderia ter Covid-19. Nem sei se foi na época, porque a gente não faz ideia. Mas eu precisei ficar uma semana afastada então, por excesso de zelo, o Lucas infectologista aconselhou ficar afastada. E no final dessa uma semana em casa... você imagina que estava tudo se adaptando aqui no hospital e eu em casa... eu furava o chão de tanto que eu andava de um lado pro outro no telefone porque eu queria saber de tudo que estava acontecendo. Mas eu lembro que quando eu estava pra voltar, se não me engano foi na hora do almoço, que eu fui conversar com todo mundo pra dizer "gente, eu vou ter que ir pro hospital, estamos com a Covid-19 e vamos ver como a gente vai fazer". Eu não sabia se era melhor eu voltar pra casa ou ir para um hotel, para não ficar com essa convivência próxima com eles, com medo mesmo, a gente tinha muito medo. E eu lembro que o Rafa ficou muito bravo comigo. E ele falava assim "você vai voltar pro hospital? Por que você não trabalha em casa? Você vai lá onde tem a Covid-19?". Aí eu falei "Mas esse é o meu trabalho". E ele não consegui entender como que eu podia deixar de "querer" ficar em casa com eles e voltar para o hospital para trabalhar. Então, realmente, aquele dia mexeu muito comigo. Eu tive que tentar explicar pra ele que esse era o meu propósito de vida, minha profissão, e ele não conseguia entender isso na cabecinha dele, né. Porque, pra ele, era uma escolha entre ir para um lugar onde eu posso contrair uma doença e morrer ou ficar em casa com a minha família e feliz. Ele não estava entendendo a gravidade e o meu papel enquanto profissional aqui para ajudar. Ele dizia "Você fica só trabalhando na parte do escritório, você não vai estar atendendo paciente, então você pode trabalhar em casa". E eu respondi: "Não, eu tenho que estar lá comandando, tenho que estar com todo mundo, eles precisam estar comigo lá pra dar força pra eles pra que tudo acontecesse". Isso foi muito marcante pra mim na pandemia. Em relação aos meus filhos, este dia, em especial, foi muito importante até pra eu tentar expressar pra eles, passar pra eles, as coisas que eu realmente acredito, que acredito no que eu faço, porque no dia a dia eles não convivem com a gente, não fazem ideia do que é o meu trabalho. Então você vê que ele tinha ideia que eu fico na sala, sentada, carimbando papel, e às vezes é essa visão de quem está na área administrativa, não só de criança mas de muitas pessoas. Acham que a gente não sofre, que a gente não tem dificuldades, eu vivi muito isso aqui na época que eu via muita divergência entre as áreas assistencial e administrativa. Era sempre um acusando o outro. O assistencial dizia que o administrativo não faz nada, fica tomando cafezinho, e falando, conversando, e o administrativo ficava falando que o assistencial só fica fazendo bobagem, gasta tudo errado, desperdiça as coisas, não se preocupa com dinheiro. Aí eu falava: "Gente, para de falar bobagem um do outro, vocês não estão entendendo e vendo o esforço de cada um". Hoje a gente tem uma equipe muito coesa, essa aproximação da administração e da assistência pra mim é verdade, cada um entende o papel do outro. Ainda há coisas pra se melhorar, sempre tem, nunca temos que estar satisfeitos, temos que estar sempre melhorando. Eu acho que hoje dá pra entender um pouquinho da angústia de ser o responsável. Não é fácil você assinar o papel e ser o responsável por aquilo. Porque sempre vai ter alguém falando: "ah, poderia ter feito algo diferente". Tem sempre o médico do dia seguinte, o engenheiro do dia seguinte, que aparece sempre criticando aquilo que você fez. Hoje eu tenho tranquilidade porque essas críticas que eu recebo, primeiro, a responsabilidade não é toda minha. Porque eu divido com todo mundo. Eu ouço todo mundo. E a gente constrói isso em conjunto. E o que a gente erra, que a gente erra mesmo, e não tem problema nenhum em dizer que a gente erra, a gente conserta. E eu acho que é o mais importante. A gente aprende com o erro e tenta ver soluções, porque o erro vai existir.

Eu queria ter feito mais atividade física, mas eu estou com o pé quebrado, então não vai ter jeito...[risos]. Eu consegui fazer muita coisa na pandemia. Eu não consigo nem pensar no que eu não fiz. Mas eu estou vendo as coisas que eu pude fazer que eu não conseguia fazer. Estou lendo muito mais as coisas que que queria ler. Então alguém pode dizer "poxa, mas no meio da pandemia você está conseguindo fazer isso?". É porque você acaba administrando melhor o seu tempo. Então eu estou conseguindo assistir as palestras que eu devia, conseguindo ler os livros que eu queria, estou conseguindo conviver mais com as crianças. É incrível a mudança que tem. Parece pouco, mas é tanto pra nós, porque as funcionárias que eu tenho em casa, desde o início da pandemia, elas estão na casa delas. Eu não deixei elas voltarem. Não só pelo risco, não de elas trazerem pra casa, mas o risco de eu mesma, enquanto profissional da saúde, de passar pra elas, pois elas também são do grupo de risco. Então elas estão na casa delas. Está tudo bem e vamos cuidando desse jeito. Mas, a gente ter que se virar em casa, fazer tudo, organizar as tarefas. Hoje eu vejo que as crianças estão lá e me ajudam, pois precisa lavar banheiro, passar pano na casa. Isso não se resolve sozinho, alguém tem que fazer. E eles entenderam a disciplina, a responsabilidade, a contribuição de cada um, a importância do papel de cada um na hora que tira uma roupa e coloca no lugar certo. Aquela roupa não vai aparecer sozinha dentro da máquina. Dali alguém tem que estender no varal. Então acho que tudo isso fez eles crescerem muito. E eu acho que essa proximidade com eles em casa, a gente conversando mais, falando mais do que sente, eu e meu marido estamos tendo uma proximidade com as crianças que eu não me lembro de muitos anos para trás. Então isso é uma outra coisa boa que acho que veio com a pandemia. Lembrei de uma coisa que eu não fiz, que essa não teve jeito: era um curso de pós-graduação que era presencial e agora está online, que como toma o final de semana inteiro e tem muita demanda, eu não consigo conciliar as duas coisas. Mas não meu culpo por isso. Vai ter um outro momento que vai ser possível. Acho que daqui a pouco, se Deus quiser, voltaremos para o normal, e aí voltamos a colocar mais coisas na nossa rotina.

Vixe! Esse faltou muito. Essa parte é difícil. Ficar sem tocar nas pessoas, sem dar beijo, sem abraçar, é muito difícil. Em casa tudo bem que a gente consegue fazer. Mas aqui, se você pensar no atendimento, os pacientes em si, tem paciente que já acompanha comigo aqui há 15 anos no hospital. E normalmente são pacientes de mais idade, que tem problemas respiratórios. E eles não entendem que não pode abraçar. Então, eu estava contando um outro fato que uma senhorinha chegou e.... todos os meus pacientes eu abraço e beijo eles, não consigo ser diferente... e eles já sabem disso também...então eles ficam esperando pra vir na consulta porque sabem que eu vou dar um abraço neles... Então, quando chegou a senhorinha e foi pra me abraçar eu falei:

- Não pode, nós não podemos, não posso te abraçar.

E eu vi nitidamente no olhinho dela aquela decepção, sabe, ela queria tanto me dar um abraço, e eu fiquei angustiada, durante a consulta toda, fiz as receitas, e tal, na hora que eu fui na impressora pegar a receita eu pedi para a enfermeira:

- Você não tem um álcool gel aqui?
- Tenho!, respondeu ela.
- Você não me empresta?
Aí eu levei um pote de álcool gel, entrei lá na sala e falei:
- Dá a mão aqui.

Aí ela me deu a mão, abraçou e apertou minha mão como se fosse um abraço. /.../ Ela chorava porque ela queria muito me abraçar e eu falei :

- Pronto, resolvemos nosso problema, pelo menos a mão a gente pode pegar!

Aí ela soltou minha mão e eu falei:

- Agora passa o álcool gel que não pode ficar sem.

Então a gente vai se adaptando da maneira que pode. Você passar o carinho e amor pra alguém sem o toque é muito difícil. Então, a gente teve que treinar muito, principalmente nossos olhos, porque agora nem a boca a gente pode mostrar. Então todo o sentimento que a gente está passando pra alguém é com a nossa expressão corporal e com o olho. E eu acho que muitas pessoas que talvez não prestassem tanta atenção nesses comportamentos, hoje elas conseguem entender melhor e fazer essa leitura corporal. Você acaba não se enganando tão fácil assim. Depois que tirar a máscara vai ficar muito mais fácil de você entender o que aquela pessoa está te passando. Mas que faz falta uma abraço e um beijo, faz falta!

Eu já tenho na minha cabeça que tem um monte de abraços pra dar. Não só nos meus pacientes, que eu sinto muito falta desse abraço, mas nos meus pais, meus irmãos, (mas lembra que quando eu for pra praia tudo isso vai estar resolvido?!, porque eles vão estar lá junto comigo). Então, esse abraço vai ser dado lá, não só neles como na família do meu marido, minhas cunhadas, como a gente sente falta. Meu irmão mora em Sorocaba, é pertinho daqui, mas é pelo vídeo que a gente tá se falando, né. Uma outra coisa muito legal, todo mundo aprendeu a usar essas chamadas de vídeo e hoje em dia eu estou falando mais com as pessoas da minha família do que eu falava antes por telefone. Às vezes, no aniversário da gente, eu recebia uma mensagem, um parabéns, mas hoje a gente faz uma reunião no Zoom com 20 ou 30 pessoas, todo mundo ao mesmo tempo cantando parabéns. A gente está valorizando um pouquinho mais as coisas mais simples que são muito mais importantes. Você realmente olhar uma pessoa, dar uma palavra pra ela, dar parabéns e você ver a pessoa feliz com você. Então, esses abraços estão guardados para as férias. Ainda não pude tirar, porque normalmente eu tiro no meio do ano e no final do ano. Então, até isso a gente teve que se adaptar. Mas no final do ano, se Deus quiser, no verão, estarei numa praia bem bonita que está aqui na minha cabeça, lá com todo mundo que eu amo tanto. Vou poder abraçar e beijar todos eles.

Não acho que tinha que vir, mas também não vejo outra forma. Porque a gente não acredita nas coisas que não trazem tantas mudanças drásticas pra nós. Quem que parava pra ficar pensando, quem tinha tempo pra ficar refletindo no valor da vida, no quanto que as pessoas fazem falta pra nós ou não. Raramente a gente parava pra isso. O ritmo é tão carregado no dia a dia, na rotina, tanta coisa, tanta demanda, que você esquece. Você esquece de olhar pro lado. Você fica preso, vendo notícias no celular. Chegou um ponto agora...o que eu acho que foi um benefício incrível do vírus... eu não gosto de ver notícia ruim. E o que eu vejo que são canais que mostram notícia ruim eu simplesmente tiro da minha vida. Não preciso daquilo.  E o que eu vejo hoje é que muitas pessoas que sempre gostaram de ficar vendo essas notícias ruins, com a pandemia, entraram num nível de estresse tão alto e em pânico, que elas abandonaram esse hábito. Então é uma coisa boa. Outros ainda não conseguiram. Mas várias eu percebo que não aguentam mais ver notícia ruim. Então, vejo como uma coisa boa. Esse vírus trouxe muitos benefícios, e eu sei que trouxe muito sofrimento, mas a quantidade de mudanças que ele está trazendo para nós seres humanos realmente, não só para a sociedade, mas nos nossos sentimentos, valores, no que a gente acredita, nos propósitos de estar aqui, de vida, pra que quê a gente existe (?), acho que são as perguntas que são tão antigas, as questões existenciais, que hoje a gente está se perguntando até em conjunto, e discutindo isso. Acho que é um período em que incrivelmente a gente começou a refletir e a meditar mais, pensar um pouquinho mais em nós, na nossa vida, no nosso mundo, e eu que creio em Deus, tenho a certeza que isso está vindo exatamente para termos muito aprendizado, evolução, entender melhor o nosso papel aqui no mundo, poder sempre fazer mais, e entender que a gente só vive por causa do outro, a gente vive em razão de ajudar o outro, por causa do outro, e isso chega pra você da mesma forma que você doa, é o que volta pra você.