Engenharia Clínica

Luciano Marcos da Silva

Tecnólogo em saúde, atua no HEB desde 2009 e supervisionou essa área até junho de 2021.
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Relato sobre o começo da pandemia | julho de 2020

Desde a coleta de dados, com aquele turbilhão de informações, nós tentamos trabalhar de forma preventiva. Antecipar a preventiva principalmente de equipamentos de monitorização e ventilação, visto que os pacientes tendem a evoluir para ventilação pulmonar. Então, tentamos antecipar a preventiva de anestesias, ventiladores pulmonares... No meio do processo, a gente tinha licitação de bomba de infusão; acionamos a diretoria e gerência de enfermagem para aumentar a quantidade de bombas de infusão; sentamos com a equipe de enfermagem responsável por diálise à beira leito para verificar, visto que os pacientes tem possibilidade de evoluir para  hemodiálise, para pedir para aumentar a quantidade de máquinas de hemodiálise... Foi também solicitado e feito estudo da possibilidade de aumento de leitos de hemodiálise. Então, foi feito estudo para a abertura de pontos de hemodiálise no Hospital. Então, nós migramos de 30 pontos de hemodiálise e abrimos mais 50 pontos. O Hospital migrou de 30 para 80 pontos... E está sob estudo para aumentar mais 20 pontos... Então, foi um turbilhão de informações... E dentro dessas informações tem também a questão das fake news também que atrapalha. Então, tentamos separar, fomos buscar no mercado, tentamos acionar outras instituições também para verificar se já tinham recebido pacientes, como estava sendo o tratamento, quais tinham sido os gargalos, as dificuldades para tentar reaproveitar alguma coisa no Hospital Estadual de Bauru também. Mas antecipamos todas as manutenções. 

A gente no Brasil é totalmente dependente da tecnologia. A maioria dos nossos equipamentos eles são importados. Nosso medo era que barrassem a fronteira e as peças não chegassem para as manutenções dos equipamentos. Então, antecipamos a compra de peças para não ter risco de equipamentos estratégicos ficarem danificados e quebrados e perdermos essa parte de monitorização dos pacientes... Conseguimos nesse primeiro momento trabalhar de forma tranquila...
Já somos profissionais que utilizamos o conhecimento de Engenharia na prática hospitalar. O que aconteceu com a pandemia? Isso ficou mais afunilado. O nosso tempo de resposta começou a ser mais rápido. O receio aumenta muito mais. A pressão aumenta muito mais. O tempo de resposta tem que ser muito agudo. Mas ainda continua o mesmo trabalho: receber o ventilador pulmonar, fazer todos os testes, verificar se a calibração está vigente, se o certificado está certo. Em momento algum a gente pode liberar um equipamento que não esteja vigente, que não esteja com a calibração vigente, que não tenha atingido os parâmetros corretos, visto que a gente pode colocar um paciente em risco. Aumentou e muito a pressão, visto que o tempo de resposta tem que ser muito curto. Você tinha anterior à pandemia um tempo mais longo de trabalho. Isso afunilou e deixou bem curto. Tem que ser muito rápido. E a gente começou a estender os horários de trabalho, busca de alternativas, entrada mais cedo... E começamos a mudar a rotina do setor para atender a pandemia. Então, fica muito mais agudo. Exige muito do profissional. Mas a gente tem as opções. A gente conversa muito com a Enfermagem, verifica o lado do paciente, tenta entender como o paciente vai evoluindo para tentar replicar isso no equipamento... E fazer esses testes estressarem os equipamentos na Engenharia Clínica para simular isso em tempo real. E simular o equipamento como ele vai trabalhar no paciente... Para que ele apresente esses erros e você consiga trabalhar de modo antecipado pra gente não começar ter muitas surpresas quando está ligado ao paciente. E trabalhando de modo antecipado você começa a prever os erros. 
Muda muito. É um outro contexto totalmente diferente. Estou há 11 anos na instituição. Tive a oportunidade de trabalhar no pico da H1N1. E hoje estou me deparando com essa situação totalmente diferente. Muda muito. O olhar é outro. Eu posso falar que nesse momento até a empatia... Tanto com a Enfermagem, com a equipe assistencial, está muito gostoso. A parceria tá muito legal. O pessoal se aproximou muito. Então, esse clima, apesar da tensão ser grande, o pessoal tá muito próximo pra um ajudar o outro para o benefício maior do paciente. Então, apesar da turbulência, da tensão, a gente tá trabalhando próximo. A equipe da Engenharia Clínica também está muito próxima. Aproveito até para parabenizá-los frente as adversidades do dia a dia, do mercado como ficou para poder manter todos esses equipamentos do Hospital, que já é um hospital de alta complexidade, e você fazer uma reengenharia para se tratar a pandemia?! Então, agravou muito e o pessoal tá conseguindo suprir essas necessidades.
Ah, a gente como já é profissional de saúde a gente já tem algumas barreiras que a gente cria devido ao que a gente lida no nosso dia a dia. Aumentou-se essas barreiras, né. Então, você já tem aquele cuidado de entrar na sua casa... Antes de entrar em casa já, dentro do próprio carro... Você já tem um álcool em gel, tem uma área separada para você tirar a sua máscara, higienizar a tua mão. Entrar dentro da sua casa, já ter aquela para reservada...  Seguimos tudo o que as autoridades passaram de isolamento social... Mas é muito complicado, porque já dentro de casa minha própria esposa é do grupo de risco. E você tem todos aqueles medos e anseios de repente acabar se contaminando, se poder levar isso pra casa... Mas a gente tenta seguir todo o treinamento que é repassado pra gente aqui. Orientar em casa também. Mas é uma situação atípica, né. Não pude viajar. Minha família é toda de fora. Meus pais são de fora. E tem um bom tempo já que eu não os vejo. Mas aí a gente tem os mecanismos de fazer uma live com a família, conversar via whatsApp e poder matar a saudade nesse momento de turbulência que a gente tá vivendo agora dessa maneira, e futuramente a gente poder todo mundo se reunir normalmente. 
Hoje principalmente a liberdade. Hoje a gente conseguiu entender o que é a liberdade. Um simples ir e vir. Um passeio com a família num zoológico, num parque... Sair todo mundo junto, num churrasco, com a família... Isso hoje faz falta sim.
Algo que pra gente, anteriormente à pandemia, poderia ser algo simples, fútil, hoje faz falta. E como ser humano a gente tem que viver em sociedade.
Primeiro de tudo descansar um pouco (risos). Desacelerar. Apesar de tudo, terminando a nossa rotina de trabalho aqui é difícil desligar.  Poder se desligar um minuto. Ter um minuto consigo mesmo e com a família. Curtir um pouco a família, curtir a filha, curtir a esposa. Poder sair um pouco e passear. Com todas as restrições. Eu também acho que teremos algumas barreiras pós-pandemia. Mas poder curtir um pouco. O simples fato só de sentar num parque e poder ficar ao ar livre vai ser fundamental.

Olha, da pandemia, o que veio de bom foi a questão da empatia. A gente viu o outro lado do ser humano. A questão das doações, que recebemos bastante. Como um pode ajudar o outro. Na questão até da gente trabalhando... na questão de barreiras. A gente, como Engenharia Clínica, também implantou nos equipamentos de oftalmo algo simples, que há muito tempo não se tinha, implantamos barreiras de acrílico para os profissionais. Com a pandemia a gente conseguiu verificar outras áreas que até então tinham passado batido.
Já o lado ruim do ser humano, às vezes a questão do não respeitar. A gente saber que está numa situação de exceção, que a gente tá passando uma dificuldade e saber que a gente pode se privar um pouco nesse momento e lá na frente colher algo melhor e não fazer nesse momento. E saber que o não fazer nesse momento eu posso me prejudicar e prejudicar o meu próximo também. Então, esse é o lado ruim que eu enxergo no ser humano nesse momento.