Gerência Médica Cirúrgica

Júlio César Vidotto

Médico atuante na área de cirurgia cardíaca e em unidades de terapia intensiva no HEB desde 2003.
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Confira o depoimento

Relato sobre o começo da pandemia | julho de 2020


"Sou extremamente orgulhoso por atuar aqui no nosso hospital porque sou um dos poucos remanescentes, quase que da data de fundação dele. Sou uma prova viva, talvez, de que vale muito a pena nós vestirmos a camisa da Famesp, vestirmos a camisa do Hospital Estadual de Bauru, porque o hospital tem realmente projetos de saúde de humanismo que são acima de qualquer suspeita. Me sinto muito feliz por fazer parte dessa família."

/.../O nosso hospital desde o princípio da pandemia foi extremamente responsável. Eu tenho a honra, eu tenho o orgulho de atualmente, na atual gestão, estar como gerente médico cirúrgico, e o grande desafio que nós tivemos na pandemia foi realmente de ter a responsabilidade ética, humanitária, de selecionar aquelas cirurgias realmente que se fizessem mais urgentes, mais emergentes, para que nós, que nos transformamos num hospital de referência para a Covid, pudéssemos albergar e tratar com excelência e com o humanismo com o que o nosso hospital vem conduzindo a pandemia da Covid-19 a todos os pacientes que precisassem dos nossos préstimos. Então, o grande desafio que nós tivemos na área cirúrgica aqui no hospital, e que continuamos a ter, é fazer uma seleção justa, uma seleção realmente humana, uma seleção técnica primorosa para que enquanto a pandemia sobrevier, a gente conseguir, dentro das possibilidades de um caos pandêmico como esse não deixar de assistir também aquelas outras patologias cirúrgicas mais emergentes que precisarem dos nossos préstimos./.../

/.../Eu confesso e acredito que todos os amigos, todas as pessoas que estão conosco na gestão e na assistência do hospital nunca viram sequer algo semelhante. O novo é um novo movido pelo caos, é aquilo que realmente gera inseguranças, gera medos, o medo de não sermos justos em algumas posturas, em alguns momentos, o medo de pré-julgarmos uma determinada circunstância urgente em detrimento de outra. Então, essas são as incertezas daquilo que nunca foi visto, de uma situação com a qual nós nunca nos deparamos, e o mundo todo, e não apenas o nosso hospital, nunca mais será o mesmo depois dessa pandemia e, sinceramente, eu espero que a gente mude para melhor.

Digo de coração que é um motivo de grande orgulho. Acho que o reconhecimento de um trabalho majestoso feito não apenas por nós que estamos ajudando a gestão do hospital com muita humildade, mas também por aqueles atores que se envolveram diretamente com a assistência. Cito os setores de Infectologia, de Terapia Intensiva e de Emergência, que demonstraram extrema coragem e proatividade. Eu acho que o hospital como um todo, desde o princípio da pandemia, mediante a uma situação inusitada de caos, conseguiu, com bom-senso, com humildade, com espírito de grupo e de união, fazer a diferença  no cenário pandêmico da cidade de Bauru e também na região do Departamento Regional de Saúde (DRS-VI). É um orgulho muito grande fazer parte dessa história.

Sim, uma das histórias bonitas em que houve muita superação de todos os envolvidos, incluindo diversos amigos queridos que estão na linha de frente de enfrentamento dessa batalha contra a Covid-19, é que alguns de nós adquiriram a doença de uma forma branda e superaram todos os seus medos e dúvidas de uma forma extremamente honrosa. Tivemos vários colegas que foram abatidos pela Covid-19, respeitaram o período de quarentena e  voltaram com uma energia ainda maior, com mais coragem, para continuar dando sua contribuição, para que não faltassem profissionais na assistência às outras vidas das pessoas que dependem de nós. A história de superação de todo o nosso grupo envolvido no combate à Covid-19, mesmo daqueles que adoeceram e voltaram à frente de combate, eu acho que essa história precisa ser contada, as pessoas precisam saber que isso aconteceu durante a pandemia. Eles realmente superaram de uma forma majestosa as suas imensas dificuldades de vida pessoal, os seus medos, as suas incertezas, e se colocaram de coração ao dispor dos que mais necessitavam, aquelas pessoas mais frágeis de saúde que continuam a adoecer e precisam dos nossos préstimos.

Essa é uma pergunta maravilhosa. Eu até me comovo em respondê-la. O médico é um ser humano como qualquer outra pessoa, que também tem os seus medos, tem suas dúvidas, incertezas, inseguranças. O médico também é pai, esposo, noivo, marido, amigo, filho, enfim, um ser humano que precisa de muita compreensão, de muito carinho, e sem dúvida alguma de muita solidariedade. O médico decidiu lá atrás dedicar sua vida de forma muito intensa à felicidade e à saúde das pessoas, é alguém que é capaz de doar toda uma experiência, todo um carinho, todo seu coração para pessoas que até então eram desconhecidas. Então, o médico vocacionado, que exerce a profissão de uma forma digna, como a maioria na classe médica, sem dúvida alguma é um ser humano desprendido, que espiritualmente se mostra a frente de seu tempo.

Eu tive inúmeras dificuldades. Confesso que do começo da pandemia até o momento não pude visitar os meus pais que são idosos, são do grupo de risco. Precisei ter um convívio com meus filhos muito limítrofe, tomando cuidado, com uso de máscara, não podendo abraça-los e beijá-los de uma forma mais calorosa, e ao mesmo tempo não era lícito levar para minha família todo esse acaloramento, essas incertezas, todo esse pânico que se criou em torno da Covid-19. Eu acho que deixe de fazer muita coisa, deixei de visitar amigos, com medo de levar a esses amigos o vírus por estar na linha de frente de enfrentamento da doença, deixei de dar um abraço nos meus pais, por medo de levar essa doença, enfim, em vários momentos eu deixei sim a desejar, eu sou humano, mas se fiz isso, foi na melhor das intenções.

É uma pergunta muito difícil de ser respondida. Principalmente para nós aqui no Brasil que somos um povo extremamente caloroso, carinhoso, que gosta muito do toque, aprender a se conter nessa que é uma das maiores manifestações de carinho do povo brasileiro. Eu confesso que vou ter que esperar um tempo, como qualquer outra pessoa, com humildade, eu vou precisar de um pouquinho mais de segurança, o surgimento de uma vacina, alguma coisa mais concreta em termos de tratamento, para que o formato daquele abraço físico volte a acontecer. Até que isso aconteça o abraço será através de palavras e diálogos carinhosos, usando muito das mídias, da internet, do facetime, daquilo que hoje a tecnologia nos coloca à disposição, mas o abraço físico, esse abraço mais do que espiritual, eu confesso com humildade que eu tenho dúvidas de quando isso vai poder voltar a acontecer. E eu quero dar esse abraço, eu sinto uma tremenda falta, e isso me deixa muito mal, fico extremamente triste, pelo fato de não poder externar esse abraço, pois somos calorosos. Eu sou de descendência italiana, além de tudo, e italiano é só abraço, é convívio, enfim, está sendo muito triste.

Digo até de forma emocionada que uma das grandes coisas que essa pandemia nos trouxe é uma conversa maior e mais íntima com Deus. Temo a Deus profundamente, tenho uma espiritualidade muito exacerbada, e digo que a pandemia conseguiu me aproximar ainda mais de Deus. Essa conversa íntima com Ele, esse momento de oração, esse momento de buscar ser uma pessoa cada vez melhor, de olhar para o lado, de ver os irmãos que sofrem, de se tornar ainda mais sensível com o sofrimento das pessoas que estão à sua volta, por notar que têm pessoas em condições extremamente piores do que a sua, eu acho que isso foi a coisa boa que eu carrego para minha pessoa, e aquilo que eu acredito que deve estar acontecendo com boa parte das pessoas num momento de grande caos, medos e incertezas pela pandemia. Então, se eu pudesse resumir o que eu trago de muito bom, eu me aproximei mais de Deus e eu me tornei ainda mais sensível em relação aos problemas das pessoas que estão à minha volta.